Viagem · outubro 2, 2021

NÃO TINHA UMA NAVE INDO PARA JUPITER, ENTÃO, PEGUEI UM AVIÃO INDO PARA MELBOURNE.

PHOTO BY MICHAEL SCHELLER – SOUTHBANK, MELBOURNE

Em algum momento passei a sentir dentro de mim que eu não estava levando minha vida como eu queria e eu pensava: Eu quero viver. 

Haverá dias que serão de decisão, de mudança, de recolher o mastro e fazer a curva.  Nunca velejei, tenho dificuldade com esquerda e direita. Então, eu não tinha nada decidido e, por um tempo, fiquei à deriva. Esperando um sinal. Olhando para o céu e, foi bom. Gosto de ver o horizonte. Existem momentos que não saber o caminho não é um problema.  

Não gosto muito de planejar e isso pode ser complicado pois, estranhamente, sou pontual, sempre fui, embora tenha tido momentos os quais me vi sem hora, sem atenção no tempo.
 
Contar o tempo, sempre acaba sendo um dilema pra mim.  Em um dos momentos mais profundos de indecisão e inquietação, me vi perdida. Esqueci compromissos, fiz com que esperassem por mim e, eu não queria isso, eu só não conseguia ir, eu esqueci e lembrei bem depois, no meio da noite, na insônia.

Não estive bem, fiz escolhas desesperadas e estive pior, um erro atrás do outro.  No desequilíbrio, quis desistir e isso fez ainda menos sentido, chorei. Sozinha. Eu não estava suportando à mim mesma e não deixava ninguém se aproximar.

Desejei não fazer mais nada. 

Eu não sei como seria com você, mas, comigo foi algo impossível, eu fugia de mim. E quando me vi, estava tentando desemperrar uma janela que nem era minha (metáfora).

Voltei à mim e me ultrapassei até. 

Há pouco mais de dois anos, juntei minhas forças. Naquele momento, ja estava consciente, sabia que havia momentos que a vida “dá um nó”. Nó que parece que não vai desatar. Mas, depois de muito, pude simplificar. E, então, o que eu estava vivendo, passou a ser menor do que eu imaginava que era.  Eu já era outra pessoa. 

Eu não larguei tudo, eu assumi o que era essencial. 

Pedi demissão do meu trabalho, eu amava meu trabalho mas, passou a não fazer sentido. Devolvi o apartamento que eu alugava e era algo que tinha considerado uma vitoria ter conseguido o manter por três anos. Vendi tudo, coisas que tinha demorado tanto para comprar. Provoquei mudanças na vida da minha família, quando mudamos, não mudamos sozinhos. E mudei totalmente a minha vida. 

No ultimo mês morando em São Paulo, fiz tantas coisas, conheci pessoas novas, matei a saudade de quem não via há muito tempo, visitei lugares que não conhecia e outros que queria me despedir, fiz as pazes com SP, a eterna relação de amor e ódio que tenho pela minha cidade, geralmente é mais amor. 

Apenas com a passagem de ida, duas malas e um monte de pendências internas, me mudei, geograficamente, para o outro lado do mundo.  Sem nenhum olhar conhecido por perto, queria me  reinventar. 

Imensa era minha vontade de mudança, aquariana, resiliente, até mesmo um pouco lunática, tentei contato extraterrestre e até uma nave para Júpiter (metaforicamente falando). Depois de 27 horas de vôo, duas escalas, as 10h32, em uma terça-feira, 11 de Junho, 2019, cheguei em Melbourne. 

PHOTO BY MICHAEL SCHELLER – DOCKLANDS, MELBOURNE

Eu tinha chegado naquela cidade nova, não tinha ninguém à minha espera, mal sabia falar a língua e não tinha expectativas, de nada. 

A cidade de Melbourne é capital do estado de Vitoria, na Australia. Considerada uma das melhores cidades para se viver no mundo, eu não tenho como discordar, eu pude usufruir do melhor que a cidade tem a oferecer. Transporte público de qualidade, baixa criminalidade, possibilidade de trabalho, vida cultural extremamente ativa com diversos museus, galerias, eventos, além dos músicos, que encantam a cidade, cantando por todos os lados. Ótimos cafés, bares, pubs e restaurantes por todos os cantos da cidade, para mim que sou vegana, opções em quase todos os lugares sempre foram facilmente encontradas. Na vida noturna de Melbourne, mesmo terminando cedo, para quem veio de São Paulo, sempre foi fácil me encontrar voltando para casa depois de ter me divertido pelo menos em três ou quatro lugares na mesma noite. 

PHOTO BY MICHAEL SCHELLER – SAINT KILDA, MELBOURNE


Morei por um ano e seis meses em Melbourne. Sendo que por um ano vivi entre altos e baixos, tentando manter a sanidade, em meio a severos lockdowns que a pandemia ocasionada pelo Covid-19, demandava (e ainda demanda até hoje). Tive todos os possíveis trabalhos que você pode imaginar. Me coloquei em diversas situações, eu diria, inusitadas. Mudei de casa seis vezes, morei com pessoas que eu não tive nenhuma conexão e morei com desconhecidos, que com o tempo, viraram a minha familia. 

Conheci muitas pessoas e com elas tive relações longas, curtas, verdadeiras, falsas, rasas e profundas.  

Aprendi a me comunicar de outras formas. Fui surpreendida,  diversas vezes.  Reinventei a mim mesma, pude me redescobrir. 

Morar em outro país não era para ser mais fácil e não foi, me descobri e redescobri de tantas formas, fui além de tudo que imaginava, me vi no melhor e no pior de mim diversas vezes e pude escolher quem e como eu queria ser. A mente e o corpo humanos são complexos, para ouvir sua mente e sentir o que seu corpo diz é preciso estar muito atento.

Hoje em dia, agora morando em Sydney, eu olho para mim em São Paulo, com as malas prontas, embarcando para Melbourne e percebo que o que ecoava em mim naquele momento ecoa até hoje: Não deixe o medo tomar conta da sua vida. 

PHOTO BY MICHAEL SCHELLER – BRIGHTON BATHING BOXES, MELBOURNE